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A Via de Mão Dupla entre a Psicanálise e a Antropologia

Postado em por Erico Mabellini

Para iniciarmos um estudo sobre as importâncias da Psicanálise e da Antropologia reciprocamente, precisamos inicialmente situar o pai da psicanálise no tempo e no espaço. Freud é um jovem médico que está em busca de um novo caminho para problemas humanos da mente na segunda metade do século XIX, uma época em que as grandes nações europeias dividem a África em colônias e instituem protetorados pelo mundo. Chegam também nessa época as notícias recentes de terras longínquas como a Índia, Austrália e Nova Zelândia. E os costumes excêntricos e rituais religiosos diversos, começam a chegar ao conhecimento do povo europeu e da comunidade cientifica.

Evidentemente essas novas culturas mostraram a enorme complexidade da natureza humana e consequentemente interessaram aos jovens psicanalistas, desejosos de conhecer o funcionamento da psique humana. Os antropólogos também necessitavam de ferramentas para compreenderem e se comunicarem com os povos que procuravam estudar. Dessa forma, surge o encontro entre a psicanálise e a antropologia.
 
Apesar da distância que separava a tradicional e acadêmica Europa das tribos que eram recém-descobertas, uma coisa essas culturas tinham em comum: o fato de serem formadas por seres humanos, e sendo assim, por mais diversas que sejam suas formações familiares ou de sociedade, haverá sempre um ponto em comum, uma pedra angular que poderá sustentar a importância e o estudo das mentes e das culturas desses novos continentes.  As atividades humanas e suas consciências encontram-se em diversos pontos que permitem que sejamos uma espécie que age e pensa de acordo com determinadas ações, momentos e sentimentos.

Com seus estudos em Totem e Tabu, Freud no faz compreender que a comparação entre o tabu e a neurose obsessiva se encaixa na natureza da relação entre as diferentes formas de neuroses e instituições culturais. Percebemos então que  o estudo da psicologia das neuroses é importante para a compreensão do desenvolvimento da civilização.

Analisando os instintos em ação nas neuroses, Freud descobriu que a influência nelas determinante é exercida por forças instintivas de origem sexual; as formações culturais correspondentes, por outro lado, baseiam-se em instintos sociais, originados da combinação de elementos egoístas e eróticos. Temos como exemplos os totens familiares e os diversos tabus existentes em variadas tribos, que são o mesmo que as proibições sociais que encontramos nas sociedades ocidentais, geradoras de neuroses.

"Não existe o indivíduo in vácuo, nossas atividades emocionais estão relacionadas com o ambiente e que são dinâmica e continuamente por ele influenciadas"(1), podemos então considerar o ser humano uma espécie única, independente da sociedade que ele esteja inserido, os conflitos psicológicos e analíticos sempre terão algum ponto de encontro, basta que o psicanalista saiba inserir-se na cultura na qual o analisando pertence. 

O individuo primitivo, no entanto, por viver em uma sociedade muito menor e com menos cobranças e responsabilidades que a ocidental, aceita seus tabus e não se compara com outros indivíduos que não tenham tabus, pois toda pequena tribo irá ter o seu totem e seus tabus, não gerando dessa forma neuroses da forma como as conhecemos, já os indivíduos ocidentais possuem tantas alternativas e, por conseguinte tantas comparações e privações que em algum momento irá desenvolver alguma neurose.  

No entanto, na atualidade de nossa civilização estamos presenciando uma espécie de exotização que cresce para dentro. Nossa sociedade e seus indivíduos tornam-se cada vez mais estranhos, tanto a sociedade como um todo como o individuo, solitariamente ou os diversos grupos que se formam. A sociedade torna-se então dividida, estranha a si mesma. Em termos globais a imigração em massa de nossos tempos faz com que diversas culturas se misturem, trazendo significados diversos para outros locais. Isso faz com que cada dia mais as opiniões sejam individuais, haja visto o culto à individualidade existente nas mídias diversas, principalmente as redes sociais.   

Antropologicamente, geograficamente, etnologicamente e psicologicamente, temos um mundo em ebulição, uma modificação nas relações sociais maior do que todas as que já assistimos. Diversas culturas estão se encontrando no mesmo espaço, algumas se adaptam e se mesclam, outras procuram impor seus ritos e conceitos. Mais do que nunca precisamos de filósofos e estudiosos da psicanálise. 

E ao mesmo tempo temos povos que ainda vivem em estado primitivo, distante dessa aldeia global, o que nos faz pensar também em novos conceitos de análise social, como vemos na controvérsia abaixo.

Controvérsia

O antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro exprime um conceito de origem da psique das tribos indígenas diferente da nossa ocidental, o que traria algumas controvérsias, a serem ainda estudadas, com relação à formação da identidade. Diz o antropólogo que: "nós ocidentais permanecemos no fundo animais, mas temos alguma coisa que nos recobre, nos protege, nos oprime ou nos reprime. Os índios veem a coisa exatamente inversa, eles contam como os animais deixaram de ser humanos: no começo dos tempos todos os seres eram humanoides, digamos. Para nós, no começo dos tempos todos os seres eram animaloides."
Uma tese a ser estudada e discutida por antropólogos e psicanalistas.

(1) Vidille, W. "Práticas terapêuticas entre indígenas do Alto Rio Negro: Reflexões teóricas". Dissertação de mestrado defendida no Instituto de Psicologia. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo. 2005.