GEPA - Grupo de Estudo Psicanálise do Acolhimento


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A intenção deste artigo não é a heresia ou uma analise ateísta das religiões, até porque acredito que o encontro saudável e particular com Deus é uma das melhores formas de tratamento para as neuroses.

Dito isto eu acrescento que todas as religiões, para o efetivo controle de seus seguidores, se utilizam muito da repressão. Essa repressão continua leva alguns de seus seguidores a terem diversos sintomas neuróticos como: a repressão pessoal ou auto repressão, a resistência, a anulação, a dissociação de consciência, a inibição e o isolamento, dentre outros.
No ambiente religioso existe muito contato e diálogo entre os frequentadores, por essa razão utilizam-se dos clássicos mecanismos de defesa como: a racionalização (tendo a sua própria interpretação bíblica como desculpa), a surdez emocional, a fixação, a projeção, a introjeção e a identificação (geralmente com o padre, o pastor ou o responsável por determinada igreja ou seita).

Mas e a sublimação? A sublimação aparece nas atividades religiosas para transformar as energias instintivas que são reprimidas em atividades voltadas para o plano superior em que cada um acredita. Alguns farão rezas repetitivas por horas seguidas, outros irão estudar a teologia, outros irão meditar, alguns farão os mais diversos tipos de caridades e benemerências que ocuparão o seu tempo focando em outros assuntos.
Isso tudo, em muitos casos, como uma forma de proteção do sujeito contra a manifestação de suas pulsões, o que poderia leva-lo a uma vida sexual perversa, como afirma Freud: "grande parte das forças suscetíveis de utilização em atividades culturais são obtidas pela supressão dos chamados elementos pervertidos da excitação sexual".

A intenção é trocar o objetivo sexual original que não é mais sexual, mas que psiquicamente está relacionado com o primeiro. Como exemplo temos o celibato dos padres, cuja pulsão sexual se transforma em horas de rezas diárias e o amor por determinados santos, principalmente pela Virgem Maria, que por si só já renderia um extenso artigo. As freiras com seus votos de castidade também trocam suas pulsões sexuais pelo trabalho, os estudos e a obediência a Deus.

Para Freud a definição da sublimação inclui a mudança de alvo, a mudança de intenção e a atitude de valor social. Troca-se a pulsão sexual pela atividade de valor social, onde estarão concentradas todas as forças sexuais. No processo sublimatório o eu possui um papel importante por se constituir como instância capaz de reter um reserva de libido, adiando a satisfação e deslocando energia para fins considerados mais nobres.

No entanto a verdadeira sublimação ocorreria apenas se não houvesse qualquer repressão, ou seja o individuo teria que se dessexualizar ou perder a agressividade sem estar reprimido, mas estando puramente livre para a criação.

A visão de Lacan

A visão de Lacan sobre a sublimação a coloca em um certo distanciamento da visão freudiana e um pouco mais apropriada para explicar os exemplos acima sobre a vida dos religiosos.  Para Lacan o sujeito não poderia articular o princípio de prazer à realidade. Assim, a sublimação lida mais diretamente com a pulsão de morte. A morte para os religiosos cristãos é lucro ou vantagem por estar ao lado do Criador, haja visto as palavras de Agostinho em seu poema A Morte não é Nada:

"Me dêem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador."

Ou então o Apóstolo Paulo quando diz em Filipenses 1,21: "Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro".

A confiança do cristão na vida eterna o capacita para suportar aflições e perseguições.

O oleiro é também um exemplo oferecido por Lacan, dizendo que: "a arte do oleiro a criar seus vasos é o que há de mais representativo na fabricação a partir do vazio. O vaso metaforiza a criação. Um vazio surge na medida em que seus contornos são modelados pelas mãos do oleiro. Um vaso é um significante por excelência, desprendido de significado. Seu próprio valor utilitário vela tal vocação específica. O vazio, aqui, cria a perspectiva do preenchimento, evoca o pleno".
Curiosamente o vaso de argila é também uma forma de exemplificar o cristão como sendo uma pessoa feita de um material simples e maleável que toma seus contornos de acordo com as mãos do oleiro. Que podem ser quebrados com facilidade, mas que também podem ser colados deixando suas marcas.

Sabemos que, além da religião, a arte e a ciência também participam do campo da sublimação. Todas elas possuem uma posição específica em relação ao vazio.

No entanto, a religião procura evitar o vazio ou a libido. O furo ou a pulsão, que ocupa nela uma posição central, é evitado através de uma longa série de rituais. O desejo é lido como pecado, pago com orações e absolvições. 

Não foi por acaso que um dos maiores exemplos de sublimação - Leonardo Da Vinci (Uma Lembrança da Infância de Leonardo da Vinci - Sigmund Freud - 1910), além de tantos talentos como inventor e cientista, com a ajuda do poder financeiro da igreja católica da época, ficou também conhecido como o pintor de obras religiosas.