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Para Além da Interpretação em uma Análise

Postado em por Victor Paulino Faria

Sigmund Freud (1856 - 1939), em sua obra Construções em uma análise (1937), nos deixa, conscientemente, uma lacuna em suas observações. Segundo ele, a cura do neurótico ocorre quando, em análise, o analista elabora uma interpretação (construção) e o paciente recorda, a partir de tal colocação, aquilo que ele havia recalcado. Todavia, ainda de acordo com Freud, existiria um outro caminho em que também seria possível acontecer a cura. O analista enuncia a sua interpretação, mas o paciente não consegue evocar nenhuma lembrança a partir do que foi dito pelo terapeuta. É dada continuidade ao processo psicoterapêutico e, posteriormente, o paciente alcança uma melhora, evidenciando que aquela construção proposta outrora pelo analista era verdadeira. É aí que temos a nossa lacuna, quando o próprio Freud consta que este último caminho carece de mais observações, no intuito de desvendar por qual via houve a cura, visto que o conteúdo recalcado permaneceu oculto mesmo após a construção ter sido apresentada pelo analista ou, pelo menos, permaneceu em grande parte oculto.

Se pensarmos que todo ser humano possui em si tanto partes neuróticas quanto partes psicóticas, teremos a possibilidade de preencher tal lacuna.

É sabido que a psicose é um resultado de falhas severas na criação do sujeito em seus primeiros anos de vida, quando o ego ainda é pouco desenvolvido e incapaz de recalcar, se utilizando, portanto, de um mecanismo de defesa mais primitivo, a cisão. Bem, para lidar com a psicose, visto que ela é um produto da primeira infância, é preciso então que o analista exerça o papel do cuidador parental nessa época primeva, como se fosse uma mãe e seu bebê. Em termos winnicottianos, uma mãe suficientemente boa. Donald W. Winnicott (1896 - 1971) nomeou uma das funções do cuidado materno de holding. O holding é a sustentação (amparo) que a mãe proporciona às necessidades emocionais do seu bebê. Para que isso aconteça, ela precisa se adaptar conforme essas necessidades, criando um ambiente emocional e afetivo saudável para ele. Esse movimento evitará que o bebê seja obrigado a se adaptar para sobreviver - fato que ocorre quando o ambiente se mostra hostil a ele - evitando, portanto, que ele se utilize de mecanismos defesas como a cisão (daí os sintomas psicóticos). O bebê criado por uma mãe suficientemente boa será amparado pelo som da voz materna, pelo olhar da mãe, pelo toque e pela atenção dedicada a ele.

Desse modo, quando estamos falando de um paciente com uma cota psicótica - e todos nós temos uma! - o que é verbalizado terá pouca ou nenhuma valia. Havendo ou não uma interpretação, o que estará sustentando a análise será o holding do analista. É o som da sua voz, seu olhar compassivo, a sua escuta atenta, sua simples presença. É o estar junto no sofrimento, mesmo que sem a compreensão do mesmo. É o paciente saber que tem com quem contar, saber que ele não está desamparado.

O que pode ter escapado às observações de Freud, portanto, seria o efeito que a sua dedicação, cuidado e carinho com seus pacientes exercia sobre eles. E isso é uma coisa que não está ao alcance do limitado campo do verbo.

Victor P. Faria