Blog GEPA - Grupo de Estudo Psicanálise do Acolhimento
PSICANÁLISE CONTEMPORÂNEA - em que sentido?
Postado em por Victor Paulino Faria
A psicanálise foi criada por Sigmund Freud (1856 - 1939), na passagem do século XIX para o século XX - ainda hoje um bebê, uma criatura em pleno polimorfismo perverso. Atualmente muito se fala em clínica psicanalítica contemporânea, embasada por autores também ditos psicanalistas contemporâneos, como Ferenczi (1873 - 1933), Winnicott (1896 - 1971), Bion (1897 - 1979), Green (1927 - 2012), entre outros, alguns deles contemporâneos de Freud, inclusive. Em que sentido a clínica psicanalítica se torna uma nova clínica psicanalítica dita contemporânea? A clínica de Freud não teria sido contemporânea?
A meu ver, psicanálise contemporânea é um pleonasmo. A psicanálise é e sempre foi contemporânea, pois o material de sua pesquisa e prática é vivo, ativo, atual, presente, fresco. Mas ela não deu e nunca vai dar conta de tudo. O entendimento de que existe uma clínica contemporânea, com autores ditos contemporâneos, me parece mais uma dificuldade dos psicanalistas de assumir que a psicanálise tem e sempre terá falhas. É difícil vermos autores que escreveram sobre as falhas nos seus tratamentos. Quantos casos que foram tratados como neuroses clássicas e culminaram em nenhuma melhora ou em pioras e internações psiquiátricas que estão fora das obras psicanalíticas, seja pelo desconhecimento do analista deste desfecho ou pela sua falta de humildade em reconhecer uma falha? Quantos casos foram dispensados pois não se encaixavam no que era esperado de um analisando? Quantos casos se mantiveram desconhecidos por falta de acesso da população à psicanálise? Tenho a impressão de que o que chamam hoje de psicanálise contemporânea, portanto, é a escuta do que ?deu errado?, mas que esteve sempre ali, dentro e fora da clínica. Mas o que teria feito Sigmund Freud ao escutar uma histérica senão escutar o que não estava sendo escutado por mais ninguém? Senão escutar o que estava ?dando errado? nas clínicas médicas convencionais?
A clínica clássica do divã não foi perfeita, mas também foi contemporânea.
O ser humano tem a tendência de permanecer em lugares de conforto. Seguir irrefletidamente as teorias e técnicas de algum mestre é uma forma de ocuparmos esse lugar. Freud nos orientou brilhantemente sobre diferentes áreas do conhecimento da vida e sobre uma prática que auxilia a tomada de consciência do sofrimento subjetivo humano e possibilita um viver mais digno, não mais moralmente, mas digno de si mesmo. Em vários de seus textos ele deixa claro que até ali é onde ele havia conseguido chegar e que novas pesquisas poderiam e deveriam trazer novas perspectivas acerca daquele assunto. Em outras palavras o mestre disse ?vá além!?, mas muitos permaneceram estagnados. Freudianos, kleinianos, lacanianos?
A psicanálise será sempre contemporânea enquanto existir. O que acontece é que com o passar do tempo a manutenção de qualquer exercício proporciona maior excelência, então a psicanálise foi ampliando a sua escuta, foi reconhecendo o seu saber não saturado e construindo novos saberes para se manter atual, tal como deve ser toda prática que é viva.
Não estamos diante de uma nova psicanálise, a psicanálise está apenas se desenvolvendo.
Victor P. Faria

