Blog GEPA - Grupo de Estudo Psicanálise do Acolhimento
Muitos homens santos passaram a vida na extrema pobreza a ajudar os excluídos: isso diz sobre sua abnegação ou sobre o seu narcisismo?
Postado em por Victor Paulino Faria
Quando eu era criança estava jogando futebol e um dos colegas disse a seguinte frase ?gosto de jogar no time que é pior?. De alguma forma isso ficou marcado em mim e percebi que eu também me sentia melhor em um time onde as pessoas jogavam mal, pois eu achava que minhas habilidades eram bem precárias e jogando em um time ruim eu não me destacaria de maneira negativa. Pelo contrário, poderia até parecer bom. Portanto, ainda que eu ajudasse o meu time ruim, eu não estava lá por eles, mas por mim, por ser um lugar em que eu me sentia mais confortável comigo mesmo. Muitos homens santos passaram a vida na extrema pobreza a ajudar os excluídos: isso diz sobre sua abnegação ou sobre o seu narcisismo?
Existe grande beleza em ajudar o necessitado, independentemente se por motivos egoísticos ou altruísticos. Afinal de contas, alguém estará sendo beneficiado de qualquer forma. A reflexão que trago aqui é sobre o enaltecimento de figuras ditas santas como referencial de uma vida ?correta? em oposição a uma vida real, à vida atual do sujeito que adora. Quando lemos algo biográfico de Aurélio Agostinho (354 - 430 d.C.), o Santo Agostinho ou de Saulo de Tarso (viveu no primeiro século), o São Paulo, nos vemos diante do cerne do sofrimento que todos nós humanos carregamos, o sofrimento de não controlar o nosso destino e nem os nossos impulsos. A tentativa de controlar tais coisas apenas evidencia o quão perdido está o sujeito no mundo e é isso que o impulsiona na busca pela iluminação ou para descobrir a verdade ou para descobrir a si mesmo. Todo homem santo foi apenas um homem. O próprio homem o santificou. Retomo a provocação do título: quando falamos dessa busca - por Deus, pela Verdade, por ser alguém melhor - estamos falando de abnegação ou de narcisismo? Nunca saberemos. Bem, talvez se algum santo tivesse se deitado no divã, seu psicanalista poderia ter alguma ideia.
O objetivo deste texto não é criticar a vida dos homens santificados, pelo contrário, olhando para as chagas deles entro em contato com as minhas próprias chagas. É esse olhar que aproxima os homens uns dos outros. O objetivo aqui é proporcionar justamente a reflexão entre o que de fato foi a vida de um homem considerado santo e o que foi purpurinado ao seu redor por outros homens em suas buscas particulares. Em outras palavras, quando admiramos a vida de homens santos nos compadecemos e aproximamos deles pelo sofrimento comum ao homem ou nos distanciamos deles, porque foram homens melhores que nós? Ou ainda, ao estudar os santos proporcionamos maior acolhimento a nós mesmos ou nos punimos por não sermos tão bons quanto eles?
Apesar de não ser capaz de responder a pergunta do título, deixo aqui a minha adaptação de uma reflexão proposta pelo criador da psicanálise, Sigmund Freud (1856 - 1939), em seu texto Sobre o narcisismo: uma introdução (1914):
?[...] a verdadeira caridade corresponde à condição primeira na qual a abnegação e o narcisismo não podem ser distinguidos.? ¹
Victor P. Faria
¹ citação original: [...] um verdadeiro amor feliz corresponde à condição primeira na qual a libido objetal e a libido do ego não podem ser distinguidas.

