GEPA - Grupo de Estudo Psicanálise do Acolhimento


A angústia e a necessidade de afeto - Minicurso GEPA

Psicoterapeuta: Ricardo Augusto Nunes Assunto: Minicurso - Angústias do Sujeito na Contemporaneidade

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A angústia e a necessidade de afeto - Minicurso GEPA

O que é traduzido como ansiedade na obra freudiana, em uma referência pode ser descrito também como angústia, isto se deve, pois em português temos as duas palavras, angústia e ansiedade, e na obra original de Freud, em alemão uma única palavra era o suficiente (Nota de tradução, EMANUEL, 2010, p. 11), assim, a expressão angústia ficou mais popularizada com as descrições das primeiras manifestações clinicas por Freud (ZIMERMAN, 2008, p. 34).

Em português, embora sejam muitas vezes tomadas como sinônimos, ansiedade pode se referir a um estado de anseio, de ânsia, enquanto angustia tem um significado de estreitamento, no qual, sempre vai existir um medo de morrer, de enlouquecer, taquicardia entre outros (ZIMERMAN, 2012, p. 61).

Esse sentido de étimos latinos, significados e tradução, nos remete a uma profunda reflexão, do que realmente é angústia, uma vez que ela é diferente para cada um, é algo muito pessoal e subjetivo, o que irei trazer é uma tentativa de expansão ao conhecimento da experiência, que será única e em seu texto sobre o Inconsciente de 1915, Freud nos diz algo importante a respeito da subjetividade humana:

Ouvir algo e experimentar algo são, em sua natureza psicológica, duas coisas bem diferentes, ainda que o conteúdo de ambas seja o mesmo. (FREUD, 1915, p. 104-105).

Dando continuidade, vamos seguir uma linha lógica de raciocínio, iniciando-a ao nascer, imaturos, indefesos, desprovidos, tanto fisicamente quanto psiquicamente, assim nos vemos no mundo, necessitando assiduamente sobre todas as formas dos cuidados de outras pessoas.

O ser humano é um dos seres que necessita de mais tempo de cuidados, uma vez, que ao nascer, indefesos, sem estes cuidados não conseguiríamos nos mantermos vivos, assim, a sobrevivência infantil é pautada entre outras coisas por esta dependência.

Conforme vamos nos desenvolvendo, ao recebermos esses cuidados e viver esta dependência, apresentamos algumas características de desenvolvimento, no qual, toda a nossa formação estrutural enquanto seres únicos no mundo irão se formar.

Dentre as fases iniciais, onde as primeiras satisfações corporais estão ligadas também ao instinto de sobrevivência, vivemos uma espécie de egoísmo do instinto de autopreservação (FREUD, 1914, pg. 16), o narcisismo, aqui como primário, no qual, ainda como bebês indefesos, queremos tudo para nós, tudo deve girar em torno de nós, amamos a nós mesmos, nos sentimos o centro do universo e inevitavelmente precisamos disto, tanto para a sobrevivência biológica, pois somos dependentes, quanto para o desenvolvimento psicológico e este é o momento de se passar por esta experiência durante nosso desenvolvimento enquanto seres vivos.

Um pouco mais desenvolvidos, por volta dos seis anos, começamos ter a capacidade de simbolizar e de perceber a entrada de terceiros em nossas relações infantis, com isso também surge o medo da separação, da perda, que alguém possa tomar até então o objeto que foi investido toda a nossa energia, no caso pessoas que se responsabilizavam por nossa alimentação e cuidados, a quem era atribuído essas funções.

Durante este desenvolvimento, estamos diante das nossas relações primarias, e precisamos das condições mínimas para satisfazer e manter a nossa sobrevivência, ou seja, temos necessidades tanto físicas quanto psíquicas, sendo sempre necessário algum tipo de vinculo com outra pessoa para completar esta dinâmica (ZIMERMAN, 2008, p. 280), assim, somos afetados por nossos vínculos iniciais, no qual a palavra afeto deriva do latim "afféctus", do verbo "afficere", que remete a um estado de afeição, como amor, ternura, amizade, mas também remete a afecções, sendo alterações nos modos de perceber as coisas como realmente são. (ZIMERMAN, 2008, p. 49), desta forma afeto pode ser considerado tudo aquilo que nos afeta e leva ao movimento, de dentro para fora, incluindo o sentimento mais nobre até o mais deplorável, onde demonstramos emoções ou sentimentos, podendo ser pessoas, objetos ou lugares, estando conosco do nascimento até a nossa morte.

Dentro deste tempo, no qual necessitamos de cuidados prolongados enquanto seres indefesos, episódios traumáticos, sejam estes devido à falta ou excesso de estímulos inadequados para o momento, podem desencadear mecanismos psíquicos que agem de forma involuntária na consciência e que possuem a função de nos proteger contra estados doloridos da mente, onde entre outros, temos a Repressão, sendo que uma de suas funções é afastar da mente algo vivenciado como traumático ou que poderá causar um grande desconforto, por exemplo, reprimir o ódio por alguém que deveríamos amar (HOROWITZ, 1991, p. 251).

Continuamos com Freud, 1914, onde nos diz que a energia instintual não pode chegar como objeto na consciência, apenas a sua representação, então a mesma ao brotar das camadas mais profundas da mente, ao chegar à parte consciente, deverá ter um significado, um representante, seja este o mais nobre ou mais deplorável, mas deverá ser representado por algo.

Assim, retornamos aos mecanismos responsáveis por afastar estados doloridos da mente, no qual, a já mencionada repressão pode fazer com que a energia que nos leva ao movimento, seja suprimida totalmente ou transformada em angústia (FREUD, 1914, p. 106).

A palavra Angustia deriva do grego "angor", levada para o latim "angustus", que concebe o significado de estreitamento (ZIMERMAN, 2008, p. 61), ou seja, um estreitamento desta energia instintual da mente, pelo processo de repressão, tornando-a diferente de sua forma original, assim, se esta energia ao brotar das camadas profundas da mente não encontrar um representante na consciência e mesmo assim, conseguir emergir afora, será sentida pelo organismo como angústia.

Como mencionado a repressão irá afastar sentimentos doloridos da mente, então, ao se manifestar a angústia a própria mente saberá que há algo de desconfortável em seu conteúdo e isto será sinalizado como um perigo eminente para o sujeito.

Assim, vivenciamos em nosso dia a dia a situações de angustias de formas automáticas, onde as experiências remetem ao medo da desintegração, oriundos dos tempos onde éramos indefesos, impotentes e precisávamos de extremo cuidado do outro, no qual, situações faltantes ou exacerbadas geraram traumas, vivenciados posteriormente em nossas vidas.

Também sentimos um tipo posterior de angustia, a ?Sinal?, cuja função é afastar, evitar as sensações da angústia automática, servindo como uma espécie de sinal, uma premonição ao organismo sobre um perigo físico ou psíquico que estaria por vir, sendo este real externamente ou não (EMANUEL, 2010, p. 18-19).

Sobre a angústia automática, temos exemplos como episódios de rejeição ou abandono, ou também o seu inverso, excesso de cuidados e estímulos em momentos inadequados, que puderam ser sentidos pela mente imatura como possibilidades de desintegração.

Sobre a angústia sinal, podemos citar como exemplo, contos infantis de como o do lobo mau, onde uma ameaça externa pode causar a desintegração, então as crianças assistem e reassistem inúmeras vezes, visando saber onde está cada ponto de perigo da história, tentando se antecipar e evitar que o aparelho psíquico seja tomado por emoções doloridas e evitá-los, sem perder assim o controle da situação.

Desta forma, destacamos a importância da necessidade inicial satisfatória de afeto, uma vez que o ser humano carece de um tempo maior de cuidados enquanto seres indefesos, cuidados estes que deverão estar associado a outras pessoas e que por outro lado, este mesmo período de cuidados extensivos, nos dará direções entre o que é sentido ou não como ameaçador e traumático, aliando-se ao desenvolvimento psíquico e suas defesas para formar estruturas em qual repousamos durante vida adulta como seres humanos.

Referências
EMANUEL, Ricky. Ansiedade. São Paulo: Almedina, 2010.
FREUD, Sigmund. A história do Movimento Psicanalítico, Artigos sobre a Metapsicologia e outros trabalhos. Ed. Eletrônica. Rio de Janeiro: Imago, 2014.
HOROWITZ, Mardi. Introdução à psicodinâmica - Uma nova síntese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
ZIMERMAN, David. Etimologia de Termos Psicanalíticos. Porto Alegre: Artmed, 2012.
ZIMERMAN, David. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Ed. Eletrônica, Porto Alegre: Artmed, 2008.